A revogação do título de doutor honoris causa de Jarbas Passarinho pela Unicamp

Conselho Universitário da Unicamp revogou por unanimidade nesta terça-feira (28/09) o título concedido ao ministro da ditadura Jarbas Passarinho.

Jarbas Passarinho, Ministro do Trabalho e Educação durante a ditadura Militar

O Conselho Universitário da Unicamp (Consu) revogou por unanimidade nesta terça-feira (28/09) o título de doutor honoris causa concedido ao ex-ministro da ditadura Jarbas Passarinho. A decisão histórica ocorreu após intenso trabalho do grupo Unicamp pela Democracia, composto por membros das entidades representativas de docentes, servidores técnico-administrativos e estudantes de graduação e pós-graduação.

Com início em março de 2021, o grupo reuniu documentação extensa para embasar a revogação do título e dar subsídios ao Conselho Universitário. Foi composto pelos professores André Kaysel e João Ernesto Carvalho (ADUnicamp); Patricia Kawaguchi e eu (APG Unicamp); Juliano Costa Carvalho (DCE Unicamp); Erika Castro e Silvana Di Blasio (STU), além das docentes Neri de Souza (FE), Josianne Cerasoli (IFCH) e Caio Navarro de Toledo (IFCH). Reproduzo abaixo meu voto:

“Eu seria menos cauteloso do que o próprio ministro das Relações Exteriores, quando diz que não sabe se o que restou caracterizaria a nossa ordem jurídica como não sendo ditatorial, eu admitiria que ela é ditatorial. Mas, às favas, senhor presidente, neste momento, todos, todos os escrúpulos de consciência. […] cumprindo um dever para comigo, um dever para com meu país, eu aceito uma nova revolução [golpe militar].”

Jarbas Passarinho em reunião do Conselho de Segurança Nacional que aprovou o AI-5.

Em busca da verdade, da preservação da memória e do necessário direito à justiça, manifesto-me pela revogação do título de Doutor Honoris Causa de Jarbas Gonçalves Passarinho, concedido pelo Conselho Diretor da Unicamp em 30 de novembro de 1973, sob vigência e ameaça do Ato Institucional Nº 5.

Em agosto de 2014, o Consu discutiu o tema e manteve a honraria por diferença de um voto, dado que não foram alcançados dois terços do total do conselho para reconsiderar o título. Contudo, em dezembro do mesmo ano foi entregue o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, e em maio do ano seguinte, concluíram-se os trabalhos da Comissão da Verdade e Memória “Octavio Ianni” da Unicamp.

As Comissões instauradas revelaram que Jarbas Passarinho foi um conspirador militar que deu suporte ao golpe de 1964 e defendeu a aprovação do AI-5. Entendo que a história da Unicamp, que sempre concedeu títulos a figuras defensoras da liberdade de pensamento, não pode ser maculada por homenagens a apoiadores da ditadura.

O AI-5 foi o segundo ato fundador do golpe militar. O país não tivera, em toda a sua vida republicana, um conjunto de medidas que concentrasse tanto poder nas mãos de um chefe de Estado. Até 1973, ano em que a Unicamp concedeu o título a Jarbas Passarinho, foram aposentados compulsoriamente ou demitidos 3.783 funcionários públicos, 72 professores universitários e 61 pesquisadores, dentre os quais a primeira mulher a ganhar o título de Doutor Honoris Causa, a Dra. Elza Berquó. Opositores do regime perderam seus direitos políticos; estudantes foram vítimas de expulsão, prisão arbitrária e tortura.

O Estatuto da Unicamp é claro em seu artigo 158, que essa honraria deve ser destinada apenas a pessoas que “contribuíram com o progresso das ciências, das letras e das artes”, ou ainda, “que tenham beneficiado de forma excepcional a humanidade”. Esse não é o caso de Jarbas Passarinho e não é mais possível que o coronel esteja na mesma lista que os maiores defensores da educação e da democracia brasileira.

Não se trata de deslegitimar as decisões do Conselho Diretor, mas de compreendê-las em seu momento histórico. Este pedido excepcional se fundamenta diante do contexto de exceção e violação dos direitos humanos em que a honraria foi concedida. No auge da ditadura militar, não poderia ter sido outra a decisão senão conceder o título ao coronel. Membros da comunidade universitária contrários a esta decisão poderiam ser acusados de “subversivos” e, como tantos brasileiros e brasileiras, terem como destino a perseguição, o exílio e o cemitério.

Em meu entendimento, essa universidade não pode mais tolerar qualquer ato que limite o desenvolvimento da pesquisa e a liberdade de expressão no meio acadêmico. Por isso, termino com uma mensagem a cada estudante, reproduzindo as palavras de Elza Berquó:

“Continuem a estudar. Continuem a luta pela democracia. A Unicamp é mestre no respeito à democracia e acredito que mais uma vez, diante da grande ameaça que o nosso país vive neste momento, saberá, como sempre soube, enfrentar e vencer.




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